segunda-feira, 4 de julho de 2011

Solidão



Solidão

Aproximo-me da noite
o silêncio abre os seus panos escuros
e as coisas escorrem
por óleo frio e espesso

Esta deveria ser a hora
em que me recolheria
como um poente
no bater do teu peito
mas a solidão
entra pelos meus vidros
e nas suas enlutadas mãos
solto o meu delírio

É então que surges
com teus passos de menina
os teus sonhos arrumados
como duas tranças nas tuas costas
guiando-me por corredores infinitos
e regressando aos espelhos
onde a vida te encarou

Mas os ruídos da noite
trazem a sua esponja silenciosa
e sem luz e sem tinta
o meu sonho resigna

Longe
os homens afundam-se
com o caju que fermenta
e a onda da madrugada
demora-se de encontro
às rochas do tempo

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

1 comentário:

  1. Ao olhar para esta foto sinto um arrepio, sinto tristeza, sinto um vazio...
    Parece tão só, mas quem tem fé nunca está sozinho...
    Nunca nada está em completa solidão, o que existe necessita de outro para o ser...
    Que importa onde moramos...aqui ou ali... se mesmo acompanhados estamos sós...
    Celestino esta foto tocou-me particularmente porque sinto tristeza ao ver um sem abrigo... Adorei o poema que juntas-te à foto muito profundo.

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