quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

A MIragem








A Miragem
Não direi que a tua visão desapareceu dos meus olhos sem vida
Nem que a tua presença se diluiu na névoa que veio.
Busquei inutilmente acorrentar-te a um passado de dores
Inutilmente.
Vieste - tua sombra sem carne me acompanha
Como o tédio da última volúpia.
Vieste - e contigo um vago desejo de uma volta inútil
E contigo uma vaga saudade…
És qualquer coisa que ficará na minha vida sem termo
Como uma aflição para todas as minhas alegrias.
Tu és a agonia de todas as posses
És o frio de toda a nudez
E vã será toda a tentativa de me libertar da tua lembrança.

Mas quando cessar em mim todo o desejo de vida
E quando eu não for mais que o cansaço da minha caminhada pela areia
Eu sinto que me terás como me tinhas no passado -
Sinto que me virás oferecer a água mentirosa
Da miragem.
Talvez num ímpeto eu prefira colar a boca à areia estéril
Num desejo de aniquilamento.
Mas não. Embora sabendo que nunca alcançarei a tua imagem
Que estará suspensa e me prometerá água
Embora sabendo que tu és a que foge
Eu me arrastarei para os teus braços.

Vinicius De Moraes

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Passagem P'rá Outra Margem





Ribeira 

O sol bate no goraz
 nas sardinhas
nos legumes
as laranjas
e as maças
enchem o ar
de perfumes
torna-se duro o inverno
logo p´la manhã vem
o aconchego terno
do velho xaile de lã
A ponte é uma passagem
p´rá outra margem
A ponte é uma passagem
p´rá outra margem
Desafio pairando sobre o rio
a ponte é uma miragem...
Nas tasquinhas decoradas
curte-se o chique burguês
comem-se boas dobradas
ostenta-se a embriaguês
Há um navio fantasma
na voz de uma peixeira
e um velhote com asma mente à 
própria ribeira
A ponte é uma passagem 
p´rá outra margem
A ponte é uma passagem 
p´rá outra margem
Desafio pairando sobre o rio
a ponte é uma miragem...
A ponte é uma passagem 
p´rá outra margem
A ponte é uma passagem 
p´rá outra margem
A ponte é uma passagem 
p´rá outra margem 


Jáfumega

sábado, 16 de fevereiro de 2013

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Os Dois Horizontes


















Os Dois Horizontes

Dois horizontes fecham nossa vida:

          Um horizonte, — a saudade
          Do que não há de voltar;
          Outro horizonte, — a esperança
          Dos tempos que hão de chegar;
          No presente, — sempre escuro,—
          Vive a alma ambiciosa
          Na ilusão voluptuosa
          Do passado e do futuro.

          Os doces brincos da infância
          Sob as asas maternais,
          O vôo das andorinhas,
          A onda viva e os rosais;
          O gozo do amor, sonhado
          Num olhar profundo e ardente,
          Tal é na hora presente
          O horizonte do passado.

          Ou ambição de grandeza
          Que no espírito calou,
          Desejo de amor sincero
          Que o coração não gozou;
          Ou um viver calmo e puro
          À alma convalescente,
          Tal é na hora presente
          O horizonte do futuro.

          No breve correr dos dias
          Sob o azul do céu, — tais são
          Limites no mar da vida:
          Saudade ou aspiração;
          Ao nosso espírito ardente,
          Na avidez do bem sonhado,
          Nunca o presente é passado,
          Nunca o futuro é presente.

          Que cismas, homem? – Perdido
          No mar das recordações,
          Escuto um eco sentido
          Das passadas ilusões.
          Que buscas, homem? – Procuro,
          Através da imensidade,
          Ler a doce realidade
          Das ilusões do futuro.
         
          Dois horizontes fecham nossa vida.

Machado de Assis, in 'Crisálidas'


terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Poema do Homem-Rã





Poema do Homem-Rã


Sou feliz por ter nascido
no tempo dos homens-rãs
que descem ao mar perdido
na doçura das manhãs.
Mergulham, imponderáveis,
por entre as águas tranquilas,
enquanto singram, em filas,
peixinhos de cores amáveis.
Vão e vêm, serpenteiam,
em compassos de ballet.
Seus lentos gestos penteiam
madeixas que ninguém vê.

Com barbatanas calçadas
e pulmões a tiracolo,
roçam-se os homens no solo
sob um céu de águas paradas.

Sob o luminoso feixe
correm de um lado para outro,
montam no lombo de um peixe
como no dorso de um potro.

Onde as sereias de espuma?
Tritões escorrendo babugem?
E os monstros cor de ferrugem
rolando trovões na bruma?

Eu sou o homem. O Homem.
Desço ao mar e subo ao céu.
Não há temores que me domem
É tudo meu, tudo meu.

António Gedeão

Do Fim dos Segredos






Do Fim dos Segredos

            Quando se conta a outrem um segredo este
desmaia: a palavra
torna-se pele
sem leão lá dentro.

Não é mais segredo e não o sendo
finge ser lembrança
de fabrico imperfeito:
um cliqueti no silêncio escancara

a dantes inamovível porta
e virada a página acha-se apenas
uma moeda
que não corre já.

Júlio Pomar, in "TRATAdoDITOeFEITO"




O Navio


















O Navio


Só deixei no cais a multidão,
A terra dos mortais,
A confusão,
Navego sem farol, sem agonia... distante;
E vou nesta corrente,
Na maré,
No securo da menor consolação,
Acordo a meio do mar que me arrepia,
E foge...

A minha paixão é uma loucura.

Ando...
Numa viagem perdida,
O navio anda à deriva,
Sózinho.
Não é grande o mal, bem pouco dura;
E quando...
Afundar a minha vida,
Se calhar sou prometida... do mundo.

Madredeus

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Gaivotas sobre o Tejo







O Beijo

Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo.

Donde teria vindo! (Não é meu...)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?

É uma ave estranha: colorida,
Vai batendo como a própria vida,
Um coração vermelho pelo ar.

E é a força sem fim de duas bocas,
De duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar...

Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'

Lisboa Menina e Moça



Lisboa Menina e Moça

No castelo, ponho um cotovelo
Em Alfama, descanso o olhar
E assim desfaz-se o novelo
De azul e mar
À ribeira encosto a cabeça
A almofada, na cama do Tejo
Com lençóis bordados à pressa
Na cambraia de um beijo

Lisboa menina e moça, menina
Da luz que meus olhos vêem tão pura
Teus seios são as colinas, varina
Pregão que me traz à porta, ternura
Cidade a ponto luz bordada
Toalha à beira mar estendida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida

No terreiro eu passo por ti
Mas da graça eu vejo-te nua
Quando um pombo te olha, sorri
És mulher da rua
E no bairro mais alto do sonho
Ponho o fado que soube inventar
Aguardente de vida e medronho
Que me faz cantar

Lisboa menina e moça, menina
Da luz que meus olhos vêem tão pura
Teus seios são as colinas, varina
Pregão que me traz à porta, ternura
Cidade a ponto luz bordada
Toalha à beira mar estendida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida

Lisboa no meu amor, deitada
Cidade por minhas mãos despida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida

Ary dos Santos

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Senhora Cegonha






Senhora Cegonha
 
Lá traz a cegonha
no bico raminho
de meia encarnada
vem dando chegada
ao seu velho ninho!
-
Senhora cegonha,
como tem passado?
Não há quem a veja,
lá vai prá igreja,
poisar no telhado...
-
No seu velho ninho

ponha ovos ponha...
Que seja bem vinda,
Branquinha, tão linda,
Lá vem a cegonha!
-
Em chegando Agosto
um bando levanta
anunciando a hora
de se ir embora,
leva o meia branca...
-
Senhora cegonha,
como tem passado?
Não há quem a veja,
lá vai prá igreja
poisar no telhado...
-

Folclore musical do Baixo-Alentejo

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A Espera

"A vida é a espera da morte. Faça da vida um bom passaporte."

Vinícius de Moraes




"Sofre mais quem espera sempre ou quem nunca esperou ninguém?"

Pablo Neruda





"Dedica-se a esperar o futuro apenas quem não sabe viver o presente."

Sêneca

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Chuva de Prata


















 

Chuva de Prata


Se tem luar no céu
Retira o véu e faz chover
Sobre o nosso amor...

Chuva de prata
Que cai sem parar
Quase me mata
De tanto esperar
Um beijo molhado de luz
Sela o nosso amor...

Basta um pouquinho
De mel prá adoçar
Deixa cair
O seu véu sobre nós
Oh Lua!
Bonita no céu
Molha o nosso amor...

Toda vez
Que o amor disser:
Vem comigo!
Vai sem medo
De se arrepender...

Você deve acreditar
No que eu digo
Pode ir fundo
Isso é que é viver...

Cola seu rosto no meu
Vem dançar
Pinga seu nome no breu
Prá ficar
Enquanto se esquece de mim
Lembra da canção...

Toda vez
Que o amor disser:
Vem comigo!
Vai sem medo
De se arrepender...

Você deve acreditar
No que eu digo
Pode ir fundo
Isso é que é viver...

Chuva de prata
Que cai sem parar
Quase me mata
De tanto esperar
Um beijo molhado de luz
Sela o nosso amor
Enquanto se esquece de mim
Lembra da canção
Oh Lua!
Bonita no céu
Molha o nosso amor!...

Gal Costa

Eu Brinco com minha Sombra

(…)
Quero voltar! Não sei por onde vim…
Ah! Não ser mais que a sombra duma sombra
Por entre tanta sombra igual a mim!

Florbela Espanca






O caráter é como uma árvore e a reputação como sua sombra. A sombra é o que nós pensamos dela; a árvore é a coisa real.

Abraham Lincoln