segunda-feira, 4 de julho de 2011

Ruínas...






Ruínas

Cobrem plantas sem flor crestados muros;
Range a porta anciã; o chão de pedra
Gemer parece aos pés do inquieto vate.
Ruína é tudo: a casa, a escada, o horto,
Sítios caros da infância.
                              Austera moça
Junto ao velho portão o vate aguarda;
          Pendem-lhe as tranças soltas
          Por sobre as roxas vestes.
Risos não tem, e em seu magoado gesto
Transluz não sei que dor oculta aos olhos;
— Dor que à face não vem, — medrosa e casta,
Íntima e funda; — e dos cerrados cílios
                     Se uma discreta muda
Lágrima cai, não murcha a flor do rosto;
Melancolia tácita e serena,
Que os ecos não acorda em seus queixumes,
Respira aquele rosto. A mão lhe estende
O abatido poeta. Ei-los percorrem
Com tardo passo os relembrados sítios,
Ermos depois que a mão da fria morte
Tantas almas colhera. Desmaiavam,
                     Nos serros do poente,
                     As rosas do crepúsculo.
“Quem és? pergunta o vate; o sol que foge
No teu lânguido olhar um raio deixa;
— Raio quebrado e frio; — o vento agita
Tímido e frouxo as tuas longas tranças.
Conhecem-te estas pedras; das ruínas
Alma errante pareces condenada
A contemplar teus insepultos ossos.
Conhecem-te estas árvores. E eu mesmo
Sinto não sei que vaga e amortecida
                     Lembrança de teu rosto.”

                     Desceu de todo a noite,
Pelo espaço arrastando o manto escuro
Que a loura Vésper nos seus ombros castos,
Como um diamante, prende. Longas horas
Silenciosas correram. No outro dia,
Quando as vermelhas rosas do oriente
Ao já próximo sol a estrada ornavam
Das ruínas saíam lentamente
                     Duas pálidas sombras:
                     O poeta e a saudade.

Machado de Assis, in 'Falenas'

1 comentário:

  1. A felicidade só cria recordações...
    Um dia...será um para sempre?
    Que sempre é tudo que agora se faz eterno.
    E o que um dia se disse "pra sempre"...
    Hoje não passam de meras recordações.
    Óptimas recordações!!!
    Saudades do tempo que passou…
    Do tempo que eu tinha todos que amava ao meu alcance...
    Quantas vidas se agarraram a estas escadas...?
    Quantas vistes nascer, crescer, morrer...
    Quantas ajudas-te a subir e a descer...
    Agora entendo que o que se fez "pra sempre" naquela época
    Não é um "pra sempre" real
    E sim, um "pra sempre" na memória...

    Deliciem-se com as memorias que tem, nunca as deixem morrer... serão um "Pra sempre"

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